quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Pátria-mãe gentil

PÁTRIA-MÃE GENTIL

Nestes meus setenta e cinco anos de vida presenciei as mais diferentes crises brasileiras, desde as mais graves até as triviais. Ao lado delas trilhei diferentes caminhos que compuseram minha existência. 
Família, escola, superação de doença, universidades, empregos diversos, constituição da própria família, atentados políticos, suicídios, arremedos de democracia, ditaduras, democracia verdadeira, mil réis, cruzeiros velho e novo, real, etc.
Paralelamente a todos estes panos de fundo ví sempre um país que crescia, apesar dos pesares e dos seus "dirigentes". Apesar dos seus políticos. Crescia movido por um povo que sempre conseguia "dar a volta por cima" e produzir.
Pairava sempre no ar o rótulo de país formado por uma população ordeira, simples, valente, que sofria sorrindo, hospitaleira, a qual bastava ter futebol e carnaval para estar bem. E era (e é verdade, mesmo com o futebol capenga também). Foi sempre a imagem com que sempre se projetou internacionalmente. 
No entanto, por baixo deste perfil desenvolvia-se, silenciosamente, um tumor a partir de células malignas, criadas ou trazidas desde os seus primeiros descobridores.
Alguma delas já identificadas pelos nomes das doenças que gerariam, como, seaproveitaroma, desrespeitoma, levarvantagite, malandrite, subornoma, blefarite, corrupcionite, politicalhite e outras.
Tais células sempre se desenvolveram anestesiadas pelo rótulo do "povo bom".
Até que chegamos ao cenário atual.
Seríamos o mesmo povo alegre, o mesmo país? Sim. Somos. Um dia um bisturi conseguiu romper uma aparente pequena célula maligna.
E o câncer está purgando. Há mais de quinhentos anos a purgar.
O povo feliz que já vira de tudo, agora convive com máscaras protetoras para suportar e manter o habitual otimismo, pois está sendo extravasado desrespeito, mentira, engodo, egoísmo, falsidade descarada,, lei do mais forte, interesses pessoais e partidários, olhares no próprio umbigo, desprezo por aqueles cuja missão seria protegê-los, furtos, roubos, corrupção, etc.
Não há mais necessidade de se ver, ler ou ouvir notícias. São repetitivas, cansativas, diárias, bandidos de colarinho branco ou de outras colorações se misturando com maus policiais num mosto único e mal cheiroso.
Âncoras, apresentadores, comentaristas não conseguem esconder sua indignação e enfado. Há a enaltecer que a ruptura da primeira célula tumoral teve as mãos do jornalismo investigativo.
Assim, temos que assistir a todos os horrores diários. Me ensinaram sempre a não me alienar dos fatos se quiser ver um país melhor.
Faço uma perguntinha final.
Com toda a impunidade ainda vigente, será que se a justiça funcionasse integra e integralmente, teríamos onde enfiar todos os autores dos crimes informados ou comprovados a toda hora? Temos estrutura para investigar e deter todos e tudo o que tem ocorrido?
Este é o país das maravilhas, povo afável, que nunca teve guerras, mas onde se mata mais nas ruas, no trânsito e nas drogas do que as mais sangrentas guerras "oficiais".
Para onde estamos indo? Quem sabe?
O sábio Renato Russo viveu perguntando "quê país é esse?
Ouso responder.
É a nossa pátria mãe gentil.